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O momento de Maurício Monteiro

Por Flávio Almeida

Quando eu e minha família nos mudamos pra Miracema em 1971, pela primeira vez (houveram outras idas e vindas), uma das primeiras amizades que o meu pai, Ivam, fez foi com o Maurício Monteiro.

O Maurício além de ser um advogado brilhante e humanista, era um ótimo papo. Sabia das reminiscências, das filigranas que formaram Miracema, de todos os homens ilustres e de todos não tão ilustres assim, que formaram a cidade. Sem contar a visita promovida por ele, de nada mais nada menos, que o ex-presidente Juscelino Kubitschek em 1967 em Miracema.

E além disso, o Maurício ainda tinha um jornal semanal, O Momento de Miracema.

Eu, que na época, já consumia o meu exemplar do Jornal do Brasil, que comprava todo santo dia na banca do Luiz Marques, achava incrível e insólito que existisse um jornal semanal em Miracema. E todo feito na tipografia e com uma dobra que era a sua marca registrada.

Eu começava a dar os meus primeiros rabiscos e com o incentivo do meu pai que me aconselhava a comprar O Pasquim toda as semanas, em pouco tempo, tinha o meu traço característico, esse que arrasto como uma cauda de dinossauro há 46 anos.

Um dia eu fiz uma charge sobre o Clube de TV de Miracema. Este órgão era responsável pela transmissão do sinal da TV na cidade. Era um torcedor do Flamengo, pegando o cara do Clube da TV de Miracema, pelos colarinhos e gritando: Nós exigimos! Jogos do Flamengo direto! Mostrei a charge para o meu pai, que logo arrematou, fazendo as letras da charge na sua caneta de nanquim Speedball. Um luxo.

Sorrateiramente, meu pai chamou o Maurício na nossa casa, na rua Santo Antônio, 222. Me lembro bem da cena. O Maurício não me conhecia, mas sabia da minha fama de desenho na cidade. Eu então com tenros 15 anos.

O Maurício sentou no sofá da sala, fumando sem parar, balançando as pernas nervosamente, como fazia sempre, e meu pai foi até o quarto onde ele tinha a prancheta e voltou com a minha charge.

O Maurício adorou e publicou a charge na primeira página de O Momento de Miracema. Algumas semanas depois, fiz outra charge e mais uma vez foi publicada na capa do jornal… e minha carreira de chargista de O Momento de Miracema, acabou, porque meu pai resolveu que voltaríamos a morar em Niterói.

Voltaríamos a morar em Miracema, dois anos depois. E aí meu pai lançou a Revista de Miracema, que durou apenas três números e fez história na cidade. A primeira revista impressa em offset, numa época em que a imprensa era toda feita em tipografia. E muito e muitos desenhos meus.

Dois anos depois, a família foi embora de Miracema.

Voltaria, já desfalcada com a perda da minha irmã Regina. E já não era a mesma família. Tinha perdido o viço que a Regina levou.

Jamais me esqueci da força que o Maurício me deu. Em 1978 eu iniciei a minha carreira de cartunista, chargista, ilustrador, quadrinista e jornalista.

Voltei a morar em Miracema mais três vezes.

Em uma das vezes em que morei em Miracema, fiz uma amizade muito grande com o Marcelino Alvim, proprietário do Página Um, o jornal mais alternativo que teve em Miracema.

Os parentes do então prefeito da época, estavam envolvidos em falcatruas da Marinha.

O Marcelino me deu um espaço generoso na capa do Página Um, e eu fiz uma charge que ocupava toda a parte superior do jornal. Esse então prefeito quando viu a charge, evidentemente ficou puto.

Um dia eu estava atravessando a rua Direita e vejo um carro em minha direção em alta velocidade. Era esse prefeito tentando me atropelar. Escapei, porque chargista tem 48 horas de proteção de anjo da guarda em um dia. Porque 24 horas não dá conta de todos os inimigos que arruma.

Voltei pro Rio, mais uma vez e um dia recebo um telefonema do Marcelino falando que o então prefeito de Miracema ia me processar e ao Marcelino também, por causa da charge dos parentes dele. Mas que eu ficasse tranquilo porque o nosso advogado seria o Maurício Monteiro, que fazia questão de nos defender e que não nos cobraria nada, já que éramos amigos.

Fiquei tranquilo.

Alguns dias depois, recebo um novo telefonema do Marcelino. O processo do então prefeito não deu em nada. E o juiz ainda deu um senhor esculacho nele, perguntando se ele não sabia o que era Liberdade de Expressão? Onde já se viu querer processar um chargista?

Voltei várias vezes à Miracema. Tive dois jornais na cidade. Um em sociedade que não deu certo, com outros dois políticos e o Geral News, um jornal mensal bem alternativo, que produzi sozinho durante 4 anos.

Em todas as vezes em que eu encontrava com o Maurício em Miracema, era uma alegria. Ele tinha um carinho especial por mim. E eu, a gratidão eterna em quem apostou num moleque de 15 anos com charges na primeira página de O Momento de Miracema.

Hoje, quando escrevo este texto final sobre o MaurÍcio, percebo que o time dos que se foram de Miracema, e que estão lá em cima, tá bem interessante. E assunto é que não vai faltar.

Descanse em paz, Maurício.

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