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A lição de Isabelly

Já no ocaso da vida, considerado idoso para os atuais padrões de longevidade, tendo sofrido perdas lamentáveis na infância e na fase adulta e, ainda, perseguições de toda ordem por teimar em manter princípios éticos e morais, defensor ferrenho do meu torrão natal, me vejo mais uma vez impotente diante da tragédia que se abateu sobre a Princesinha do Norte.
As mudanças climáticas, que grande parte das pessoas no mundo teimam em não enxergar, vem causando estragos inesperados em regiões diversas do planeta e, sobretudo, dramáticos. E eis que o Sudeste recebe, desde novembro, uma precipitação pluviométrica muito acima do que consideramos normal. E as chuvas torrenciais desabam sobre a região.

São Paulo, Rio, Minas, além de pequenos espaços geográficos na Bahia e Espírito Santo, sofrem com as enchentes. Os que mais sofrem, claro, são os mais pobres. Estes, ao perderem tudo ou quase tudo, é tudo ou quase tudo mesmo. As classes mais abastadas nunca perdem tudo ou quase tudo. Em geral, nada. Muito menos a vida, quando há enchentes.
Na Princesinha do Norte (há décadas essa bonita denominação desapareceu do nosso cotidiano, por razões que não cabem aqui explicitar), que sofre com o desaguar do Ribeirão Santo Antônio a cada 15, 20 anos, desta feita foi tomada pelas águas numa proporção inimaginável. Mesmo pessoas bem mais idosas não se lembram de uma enchente como essa.

Tudo isso para dizer da minha tristeza de chegar a essa idade e não ver o desenvolvimento de Miracema, tão sonhado pelos heróis da emancipação. E, agora, ao ver a tragédia que, de tão grande, fez-se notícia nacional. E, ao andar pelas ruas, vendo os estragos, as famílias em desespero, pensei que não há mais esperança.
E eis que me deparo, ao fazer uma reportagem, na Rua José Venâncio Garcia, no bairro Caloi, com uma menina de oito anos, Isabelly Felicíssimo. Impotente ante a situação dramática, tentando encobrir as lágrimas de tristeza, sou tomado pela emoção e a esperança renasce na aurora de uma menina que diz, alegremente, que acompanha o que escrevo, lê nosso jornal e sentia enorme prazer em me conhecer.
Sou, acaso, um artista renomado? Um escritor consagrado? Sou nada. Um simples jornalista que sofre as agruras do dia-a-dia num país tão desigual como o nosso. Mas a alegria e vitalidade de Isabelly, filha de José João Felicíssimo Júnior e Ana Carla Barbosa, me encheu de ânimo.

Isabelle perdeu sua cama, brinquedos, viu sua casa tomada pelas águas e tudo parcialmente destruído e, mesmo assim, sorria. Irmã de Kaio (três meses) e Vitória, estudante do Solange Moreira, cursando o terceiro ano do fundamental, com uma mente brilhante, me deu uma lição de vida. Resiliência. Resistência. Aprender a recomeçar, sempre.
Lição que deve servir, nesse momento, para todos nós, miracemenses. Vamos juntos, irmanados, recomeçar e nos preparar melhor para as próximas enchentes porque, por certo, elas virão. E, no sorriso de Isabelle, acreditar que um futuro promissor é possível, porque nem tudo está perdido.
Por Nelson Barros

One thought on “A lição de Isabelly

  • Que lindo Nelsinho! Sei o que é isso, as vezes acontece comigo, a emoção, a gratidão, na simplicidade de muitas Izabelle é que faz a diferença, no jornalismo. Meu amigo, texto perfeito! Isabelle você é a prova, que nosso trabalho,vale muito a pena. Um grande beijo no seu coração. Deus abençoe toda sua família. Jornal Dois Estados, parabéns pela matéria. Ainda existe amor, espalhado, nesse mundão!

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